Capitalismo de casino,<br>democracia de casino

Filipe Diniz

O enorme e apo­ca­líp­tico vo­lume de no­tí­cias e co­men­tá­rios que o re­fe­rendo na Grã-Bre­tanha gerou contém um rico leque de temas e notas de ro­dapé. Por exemplo acerca do ca­pi­ta­lismo de ca­sino e dos seus fi­gu­rões, al­guns dos quais re­petem na vida quo­ti­diana a imagem do gro­tesco es­tertor dos im­pé­rios em de­ca­dência.

Num re­fe­rendo, com res­postas «sim» ou «não», uns ga­nham e ou­tros perdem. Mas há al­guns que ga­nham sempre. É o caso dos es­pe­cu­la­dores mul­ti­mi­li­o­ná­rios Ge­orge Soros e Crespin Odey. Soros, em cujo cur­rí­culo consta a es­pe­cu­lação de 1992 contra a libra que «que­brou» o Banco de In­gla­terra e lhe deu a ga­nhar 1,5 mi­lhares de mi­lhões de li­bras. Desta vez, acon­se­lhando a per­ma­nência, pre­caveu-se com­prando 193 mi­lhões de li­bras de ac­ções da maior em­presa mi­neira de ouro, a Bar­rick Gold (Inde­pen­dent, 25.06.2016). O preço do ouro dis­parou após a vo­tação, atin­gindo o valor mais alto desde Março de 2014.

Crespin Odey, um es­pe­cu­lador de «hedge funds», apostou 7,5 mi­lhares de mi­lhões de li­bras no «brexit» e, ao que pa­rece, acres­centou com isso 220 mi­lhões à sua for­tuna pes­soal. En­quanto Soros é mais co­nhe­cido por um poder que lhe per­mite es­pe­cular e cons­pirar contra países in­teiros (no­me­a­da­mente através das co­nhe­cidas fun­da­ções «Open So­ciety»), Odey des­taca-se por ou­tras ex­tra­va­gân­cias, a mais di­vul­gada das quais é a mansão de es­tilo pa­la­ciano, em can­taria, que cons­truiu para alojar as suas ga­li­nhas.

Há também um novo es­plendor na «de­mo­cracia elec­tró­nica» e das redes so­ciais. Um apoi­ante do «brexit», re­ce­ando a vi­tória do «sim», lançou antes da vo­tação uma pe­tição elec­tró­nica re­cla­mando um 2.º re­fe­rendo. Com a vi­tória do «não», os apoi­antes do «sim» apro­pri­aram-se da ini­ci­a­tiva, que teve grande aco­lhi­mento me­diá­tico e eco ime­diato no par­la­mento, co­lhendo mi­lhões de subs­cri­tores. Cons­tatou-se que uma parte con­si­de­rável dos subs­cri­tores vinha do es­tran­geiro: da Is­lândia, das Ilhas Caimão, da Tu­nísia, de ou­tros países. Havia em al­guns casos mais subs­cri­tores do que ha­bi­tantes no país: só do Va­ti­cano, que tem uma po­pu­lação de 800, havia 39 000 subs­cri­tores.

De­ta­lhes que dizem muito de uma en­gre­nagem sem con­serto pos­sível.

 



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